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vou te falar, criança: por mais que você tenha me visto mil vezes [e eu de volta] e também saiba sobre o brilho dos meus fios ao Sol [e eu dos teus], toda vez que se recorda, nasço diferente em sua mente.
te digo isto por 02 razões: quanto mais ao longe está o dia em que me viu pela primeira vez, mais ordinária minha forma se torna; e cada vez que tua memória bagunçada me tenta alcançar, tem menos a minha imagem e mais do motivo pelo qual tem.
então apesar de [quando me recorda] recordar de 4000 cascos, 2000 olhos, entre 36 e 44000 dentes, se recorda de apenas 01 cavalo. 01 cavalo em desmanche.
e por causa disso te falo: minha imagem em sua mente pouco importa, porque, criança, não é em todo momento que você me recorda. assim me satisfaço com as novas imagens que cria de mim. assim me faço vivo e novo em você.
porque também sei que um dia minha imagem sequer se parecerá com o que vê hoje: você me terá em outra figura que te seja mais emblemática ou acessível.
hoje sou cavalo renascendo de minúsculos ovos. amanhã serei teus filhos ou serpente que se alimenta deles. depois serei apenas a própria noção do Peso amassando cascas. depois e depois, depois e depois, a voz por quem cria e cruza desertos.
e mesmo quando quiser me esquecer, inevitável e lentamente, em teus espaços, escapes e fugas minha imagem se reformará.
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